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O ESTADO NO BANCO DOS RÉUS

A crise crônica em que se encontra o Sistema Penitenciário Brasileiro, e como não poderia deixar de ser, também o goiano, nos faz refletir, e, mais uma vez concluirmos pela atualidade das palavras de Nelson Mandela, “Ninguém conhece verdadeiramente uma nação até que tenha estado dentro de suas prisões. Uma nação não deve ser julgada pelo modo como trata seus cidadãos mais elevados, mas sim, pelo modo como trata seus cidadãos mais baixos”.

 

A Lei de Execução Penal, em seu artigo primeiro, contempla duas ordens de finalidade: a correta efetivação dos mandamentos existentes nas sentenças ou decisões criminais, destinados a reprimir e a prevenir os delitos, e a oferta de meios pelos quais os apenados venham a ter participação construtiva na comunhão social.

 

Sem questionar-se profundamente a grande temática das finalidades da pena, curva-se a lei, na esteira das concepções menos sujeita à polêmica doutrinária, ou seja, ao princípio de que as penas devem objetivar a proteção dos bens jurídicos e a reincorporação do condenado à comunidade.

 

A aplicação dos princípios e regras do Direito Processual Penal constitui corolário lógico da interação existente entre o direito de execução das penas e os demais ramos do ordenamento jurídico, principalmente os que regulam em caráter fundamental ou complementar os problemas postos pela execução penal.

 

Se todo o sistema jurídico o qual o Estado é executor, é dominado em corpo e em espírito pelo princípio da legalidade, exigi-se do mesmo Estado, o impedimento de que os excessos ou desvios na execução penal afrontem, dentre outros, o princípio constitucional da dignidade da pessoa humana.

 

Torna-se necessário lembrar que os “hóspedes” do Sistema Penitenciário, são cidadãos que em um determinado momento de suas vidas agiram em confronto com a lei, e por isso, espera-se tenham sido submetidos ao devido processo legal e ao final condenados a uma pena imposta pelo Estado. O Estado como gestor e a sociedade como um todo, não podem esquecer que estes “hóspedes”, em um momento retornarão ao convívio social e o tratamento recebido no cárcere, será de fundamental importância para determinar, de fato, a reinserção na sociedade daquele que hoje se encontra recluso.   

 

No que concerne aos estabelecimentos que compõem o Complexo Penitenciário de Aparecida de Goiânia, esta situação é bastante antiga.  O Promotor de Justiça, Haroldo Caetano da Silva, no seu pedido de interdição dos estabelecimentos acima mencionados, protocolado em abril de 2008, assim textualizou: “Chega a ser assustador, mesmo para quem há tanto tempo milita na execução penal, o panorama desolador e degradante desses estabelecimentos penais superlotados. Seja na cadeia pública ou na penitenciária; nas unidades de homens ou de mulheres; nas unidades do regime fechado ou semi-aberto; ou até no albergue, o que se vê é miséria, abandono e indignidade. Resultado não apenas da superlotação carcerária, mas que se potencializa pelas previsíveis conseqüências advindas dessa cultura que tem a prisão como mero depósito de pessoas, amontoadas de qualquer maneira, mesmo que não haja espaços sequer para o repouso noturno.”

 

O mesmo documento quando relata a precariedade da assistência à saúde do preso, narra: “pessoas com doenças graves ou infecto-contagiosas alojadas em ambientes superlotados e insalubres, em contato direto com outros presos; homens que carecem de intervenções cirúrgicas ou acompanhamento pós-operatório, outros de atendimento odontológico de urgência; portadores de distúrbios psiquiátricos sem acesso à medicação de controle. Essa é a realidade dos estabelecimentos penais do complexo de Aparecida de Goiânia, perceptível em visita a qualquer de suas unidades”.

 

Decorridos quase dois anos, nada mudou e o que hoje se constata no Complexo Penitenciário de Aparecida de Goiânia, quanto à superlotação e às deficiências no atendimento à saúde da população carcerária, é de tal gravidade a ponto de configurar crime de tortura, tipificado pela Lei nº 9.455/97, que prescreve: Art. 1º Constitui crime de tortura constranger alguém com emprego de violência ou grave ameaça, causando-lhe sofrimento físico ou mental.

 

Aquele que pratica conduta prevista no artigo acima mencionado se sujeitará à aplicação de uma pena de reclusão de dois a oito anos. O parágrafo primeiro e segundo desta norma adverte que: Na mesma pena incorre quem submete pessoa presa ou sujeita a medida de segurança a sofrimento físico ou mental, por intermédio da prática de ato não previsto em lei ou não resultante de medida legal. Aquele que se omite em face dessas condutas, quando tinha o dever de evitá-las ou apurá-las, incorre na pena de detenção de um a quatro anos.

 

Ainda no parágrafo quarto do mesmo artigo, temos que: se o crime é cometido por agente público, aumenta-se a pena de um sexto até um terço.

 

Assim, se o executor não executa adequadamente e com essa inadequação confronta com texto expresso da lei, nada mais justo que ocupe o lugar destinado àqueles que assim agem, ou seja, o banco dos réus, submetendo-se ao devido processo legal e ao final, sujeitando-se a uma decisão judicial, quer seja absolutória ou condenatória.

 

Vitor Hugo Pelles, Advogado Criminalista. Conselheiro da OAB/GO.